sábado, 23 de junho de 2012

Indústria de sensações

Um coração de pedra acabado, chefe!
Sim, tente agora fazê-lo blindado.
Isso parece impossível, patrão.
Molde-o em formato de cilindro
Tentarei.

Mais um dia
Mais robôs no lugar de seres humanos
Chefe, em formato de cilindro não deu
Pode ser esférico?
Sim, mas qual o sentido dele ser esférico?

O senhor não sabe?
Assim ele gira, gira e pode ter sentimentos semelhantes aos nossos
E se for triangular?
Não, senhor. Assim não tem sentido.
Ah, se tem. Assim poderemos amar mais de uma pessoa intensamente

Outro funcionário da indústria se aproxima e diz
Por que o senhor não me deixa desenhar o novo?
Oh sim. Tente se me agradar quem sabe.
O funcionário pegou um pedaço de papel
Desenhou um coração músculo
Colocou a perfeita anatomia no papel

O patrão observou
Fitou demasiadamente
E por fim aprovou.
A linha de produção estranhou
E assim começou a fabricação de seres humanos
Tão calculistas
Tão ricos
Fazem tanto sucesso
Que sabem de tudo menos pulsar sangue.

As contradições do expresso presente

Atirei as minhas palavras em meio às chamas da fogueira
A marcha do meu coração soa tão lenta
De que vale conforto sem amor?
De que vale a vida sem equilíbrio?
Qual o valor de uma vida não sentida?
Qual o valor de uma boca que não é beijada?
Qual o valor de olhares que não atingem amores maciços
Qual o valor de um abraço se não for cheio de amor?
De que vale o ouro se não ganho presentes?
De que valem as rosas se não para dar um buquê a seu amor?
De que vale a minha grama se a do vizinho é mais bonita?
O clímax do choro vai corroendo o coração em forma de esponja
Tenho medo e me escondo das pessoas
Vou navegando em meio aos sonetos que não aprendi a escrever
A métrica me odeia
Vou fugir para o ventre da minha mãe
Vou fugir das discussões com o meu pai
Meu peito sussurra tão lentamente
Nadam nele dúvidas quanto ao futuro
Em compreensões que desfilam pelas ruas da cidade
De que adianta se os meus olhos só visam a minha insanidade?
Querem me amordaçar , querem calar a minha paz
Morder meus olhos como se eu fosse uma criminosa
Querem apagar minha história com palavras surdas,mudas e sujas
Que vem como flechas flamejantes no meu âmago
As luzes vão se esvaindo do meu ser
Onde está o meu senso de humor agora?
O senso crítico saiu voando pela janela e afogou no lago
Só queria saber qual é a cor das minhas lágrimas
E pra onde elas vão depois que limpam minha alma.
A vida parece tão amarga
Tão inóspita
A evolução mata os meus sonhos
Meu perfume se torna tão volátil
Vou mordendo os meus lábios pela falta de amor
Converso com meus vários "eus"
Todavia eles brigam
E assim eu entro num colapso sem fim
De tanto eu me esconder
Acabei escondida e esquecida
Minha indecisão se tornou loucura
E assim vou me matando pelo meu sentimentalismo mordaz
Por que a vida é uma marcha sem fim?
Por que meus amigos não gostam de mim?
Sua família pode ser mais hostil do que você pensa
Seus amigos podem fugir
E eu continuo na avenida
Continuo aguardando o último sopro de vida
O último voar dos canários belgas
Vou levando as indagações no bolso
E pergunto. De que valem as mãos se não podemos andar de mãos dadas?
De que vale o muro se não tenho vizinho?
De que vale a gaiola se não tenho passarinho?
Os livros se não sei ler?
As estrelas caem no mar
Os trovões acompanham os meus pés
Os raios se apaixonam pelo planetas
Vou nadando e encontro a paz nas esquinas da cidade
Tenho amores comuns
Histórias comuns
Poesias gélidas
Mãos frívolas
Algemas nos pés
Pétalas de rosas a cobrir o meu quintal
Janela suja pra limpar.
Uma corda bamba pra brincar
Um balanço pra virar as pernas
Um sorriso que não amadurece
Um coração que não me apetece
Um jeito subliminar
Um coração de penas
E qual o valor da vida sem a crônica?
E das palavras?
Se não escrevo poesia.
Mas descrevo minuciosamente meus desvarios imundos.
A sensibilidade do ser humano é cega
As ondas da praia serão de plástico
Os raios de sol serão como armas de fogo
Os corações viverão dentro dos robôs
Nada, nada. Se quer tem justificativa
E mais.
Pra que servem as cores?
Se vivo de preto
De que vale tudo isso escrito sem nexo?
São as lamentações de sonetos jamais proferidos
De amores jamais vividos
Da vida que desenha cicatrizes nas pessoas
Da grama que fica podre quando eu piso.
Da poesia crônica que tento escrever
E disso que jamais ninguém ousa desobedecer.
As contradições do meu expresso presente
São tão esmiuçadas
Que os arremessos são mais leves
Os jogos de virtude vão começar
As lágrimas prometeram se arrastar
Eu prometo apenas comemorar
E deixar que a insanidade abocanhe meu corpo inerte
Um viva aos momentos
Uma taça de água
Um balde de vinho
O desfile de corações pode começar.