terça-feira, 19 de junho de 2012

A sombra e seu cotidiano

A sombra foi andando
A sombra foi até a cidade
A sombra foi de mãos dadas com o fantasma
A sombra desenhou uma flor com giz

Ela respeitava as leis de trânsito
Ela bebia e fumava e não morria
Gostava de nadar com as crianças no clube
Tinha até um namorado sombra

O vulgo metáfora ambulante
Tinha uma casa de sombra
Um mundo de sombras azuis
Um mundo que tinha uma piscina de sombras

Tinha um amigo espantalho que fugiu do milharal
Vivia num balão todo adornado de plumas
A bela sombra tinha tatuagens nas costas
Tinha um cachorro sombra
O famoso Horácio

A sombra compunha músicas para seu namorado
A sombra alimentava os pombos
E até escovava os dentes
Só que um dia acenderam a luz
E ela fugiu

Foi para um cérebro que tinha sombras
Tinha teias de aranha
Se apaixonou por uma sinapse nervosa
Deixou de ser sombra
Tornou-se infeliz
Até que um dia a pessoa morreu
Sombra renasceu às margens no cemitério
Daí jamais deixou sua vida sombra.

Arrumou um amigo bolha.
Um pássaro sombra
Morreu feliz.
Quem dera se eu fosse sombra.

Os acordes do silêncio


Queria fazer poesia com o violão
Acrescentar solos de guitarras às batidas do coração
Fazer acordes com as ondas
Dançar com a salada do almoço
Alcançar a multipolaridade do meu pulmão
Fumar cigarros de cinzas de borboletas

Falar de acordos que eu fiz com as lágrimas
O clímax das lágrimas
O beijo torpe das sensações
A sinestesia da poesia não recitada

Sabe. Coloquei as lágrimas
O coração, as mãos que poderiam acariciar barbas
E para o ápice da vertigem
Descobri que não amo nenhum homem
Descobri que posso ser piegas sem estar apaixonada

Descobri que posso amar o meu próprio orgulho
Que posso ter inveja de mim mesma.
E descobri que se todos fosse assim
Seriam felizes.
Ah, o amor próprio

Fico me perguntando qual é o clímax da beleza
Sou como um animal exótico
Assim me defino
Sou devassa
Sou boêmia

Sabe uma mulher sensitiva?
Que pisa em cascas de ovos quando toma banho
É raro
Assim como tatuar o nome de alguém na asa de um passarinho
O rock dos canários
O rock que toca qualquer um

Vou esperar sim
Sou capaz de tudo
Sou capaz de conquistar homens interessantes
Exóticos e não matemáticos
Sou capaz de conquistar a mim mesma

Sabe a inveja?
Falo que sinto pra ser modesta.
Não sinto nada disso
Só sinto inveja do que eu posso dizer e machucar o caule das plantas
Tenho uma fábrica de metáforas na ponta do coração
Descobri que auto amor excessivo evita a depressão

Descobri que um ser humano pode ser sozinho
Sou uma raridade.
A bipolaridade passa a fazer parte da minha vida.
Tenho um estoque de poemas sem coerência
E sem coesão
Mas que traduzem o que cerceia o corpo dos apaixonados

Sabe o amor?
Ele existe
E por enquanto fizemos as pazes
A paixão não.
Peço aos poetas que façam poesia em forma de beijo
Peço às poetisas que não embrulhem o coração em papel de presente
Peço aos músicos que dancem com ódio
Peço aos idosos que não chorem
Não falarei de problemas sociais

Eles parecem não dar audiência
Não falarei de margaridas
Não falo de eugenias
Só tento falar dos desenhos
No vidro embaçado do carro
Redundantes mãos
Mãos que podem escrever
Podem matar
Podem amar

Vou compor música com metalinguagem
Os pássaros das minhas gaiolas compõem pela manhã
Choram com os ovos brotando vida.
O cotidiano das passarinhas
Os sapos cantam a música dos marcianos
Assim vou nadando pelos jardins de beijos fugazes.

Ajeito meu brinco em forma de pimenta.
Nada nesse país me aguenta
Nem família
Nem sequer amigos que odeiam pieguismo
Gosto de escrever algo contraditório

Amar sem amor
Beijar sem prazer.
Tocar as minhas bochechas
Fui assim
E ainda não sei ler.
Apenas decifro os acordes do silêncio

Vejo o meu coração bater em tom de soprano
Vejo as minhas cortinadas servirem de palco
Mastigo as estatísticas como se fossem borracha
Escrevo poesias com a sensação de não acabadas
Isso dá um tom de chocolate.