quinta-feira, 27 de junho de 2013

O pombo fumante

Naquele dia frio e sombrio
Os pombos da praça bicavam cacos de vidro
Parecia que todos em volta respiravam em sintonia com a morte
A gradação do tempo ia esquivando-se à medida que os pombos eram interrompidos
Melhor dizendo
Um deles resolver bicar uma ponta de cigarro de um transeunte
Voou com a parte frontal das asas em chamas
Aquilo que parecia impossível
Num dia de amargura
Ressurgiam de dentro de mim
Meus retalhos do passado
A dor, a agonia do passado
Os pombos me seguiam e os urubus dançavam valsa no cemitério das almas
Tentei pintar o melhor sorriso numa face banhada com infelicidade
Lágrimas assim dizer seria clichê
A caminhada foi grande,enfadonha e os pombos pareciam comer restos de comida dos mendigos moribundos em volta.
Sete dias depois soube que o mesmo pombo que bicou o cigarro do transeunte
Bicou seu corpo morto dentro do caixão
Levou um pedaço do pulmão inerte de herança
E mesmo assim eu insistia em ser feliz
Em buscar a felicidade em mim nos outros
Quem sabe um dia o pombo venha bicar minha própria ferida?
Venha dizer que é feliz comendo migalhas do que um dia foi humano
O amor que querem nos contar banhado de clichês
Seria deveras importante exumar o passado
Sentir o sabor do cigarro queimado que o pombo pegou
Talvez um passeio com pombos fariam meus dias melhores
Um pedaço de pedra que um deles ousasse soltar no meu caminho
Por mais podre que fosse
Preciso gritar e chutar a areia do caminho
Os títeres e os fantoches que ousam caminhar em mim
Retirar de dentro de mim a podre massa amorfa que chamam de sopro vital
O que é viver?
Um músculo pulsante dentro de uma caixa inerte chamada de humana?
Antes o pombo levasse um pedaço do coração do defunto